O novo dorama da Netflix, Gênio dos Desejos surge como mais uma aposta da ficção coreana em mesclar fantasia, romance e drama com um toque de humor – e traz no elenco dois nomes bastante reconhecíveis: Kim Woo‑bin e Bae Suzy.
A premissa: Jinn (Kim Woo-bin) é um gênio antigo, preso por mil anos em uma lâmpada, sem conseguir realizar nenhum desejo; ao despertar, ele encontra como mestre Ka Young (Bae Suzy), uma jovem prática, apática, que já se distanciou da ideia de desejos para si mesma. A narrativa parte desse contraste e se pergunta se duas personalidades tão opostas conseguirão construir uma relação e o que esse encontro pode revelar sobre o desejo humano, a negação de si e as possibilidades de mudança.
Enredo e estrutura narrativa
A história investe no embate entre o mitológico (o gênio, as regras de décadas ou séculos de aprisionamento) e o contemporâneo (o mundo moderno, a vida de Ka Young). Há algo de fresco nisso: raramente um k-drama de fantasia se aventura tanto no “gênio preso por séculos” e no “mestre que não deseja mais desejar” como mote. A roteirista Kim Eun‑seok, conhecida por seu trabalho em *Goblin: O Solitário e Grande Deus (2016-17), traz consigo a mão segura para a fantasia, e isso funciona como ponto de confiança para o espectador.
No entanto, o desenvolvimento tem peculiaridades que divergem da “zona de conforto” de quem busca apenas um romance leve. O roteiro se permite pausas reflexivas, momentos de humor – especialmente pela frieza ou estranheza de Ka Young –, e um antagonismo velado: Jinn/Iblis (o gênio) carrega uma motivação própria, de revolta contra uma criação que desprezou os gênios em favor dos humanos, o que introduz uma camada filosófica que vai além do simples “dois se apaixonam”.
Personagens e atuações
Ka Young é uma protagonista que foge da caricatura da “moça doce que só quer amor”. Ela é descrita como alguém muito bem-ajustada, fruto de regras estritas de sua avó após abandono familiar, que aprendeu a não querer para proteger a si e aos outros. Essa negação de desejo, essa ausência de ambição pessoal, é intrigante — e Bae Suzy faz um bom trabalho ao dar certa nuance à personagem: ela não é fria apenas por efeito dramático, mas parece guardar uma ferida, um modo de sobreviver que prende o espectador.
Por outro lado, Kim Woo-bin, como Jinn/Iblis, transmite bem o carisma exigido por um personagem mitológico que precisa descobrir um mundo novo, e ainda lidar com seu próprio ressentimento. O conflito interno dele (ser gênio, nunca realizar desejos, ressentir-se dos humanos) funciona como motor da trama.
O reencontro entre ele e Suzy — que já atuaram juntos anteriormente — ajuda na química, mas o roteiro sabiamente recua um pouco da vertente romântica explícita para primeiro explorar o interior deles.
Temas e significados
O dorama propõe algumas reflexões interessantes:
Desejo e negação de desejo: Ka Young representa a negação consciente de querer, enquanto Jinn representa o desejo reprimido por mil anos. A tensão entre os dois é estrutural. Essa inversão (não é uma heroína ávida por desejo, mas alguém que renunciou) dá fôlego ao enredo.
Tempo e mudança: O gênio vem de um passado milenar; o mundo à sua frente mudou. Esse “choque de temporalidades” é explorado, ainda que de forma leve, e apresenta a rotina moderna, as expectativas humanas, o imediatismo — frente à eternidade de Jinn.
Identidade e função: Jinn/Iblis luta com a sensação de ser colocado como “ser superior” (gênio) e, ao mesmo tempo, invisível por mil anos. Ka Young, por sua vez, sente-se invisível — pois não deseja. O encontro dos dois coloca essas camadas frente a frente.
Humor e leveza como antídoto: Apesar dos temas mais densos, o dorama opta por um tom que se equilibra entre o dramático e o leve. A frieza de Ka Young vira piada textual, os mal‐entendidos entre mestre e gênio são um alívio bem-vind o nessa “fantasia romântica híbrida”.
Pontos de destaque
A fluidez com que o roteiro insere elementos de fantasia no cotidiano é um ponto forte. Ele não força explicações exaustivas para cada regra mitológica, o que concede leveza ao enredo.
As atuações de Suzy e Kim Woo-bin sustentam bem os contrastes propostos: Suzy com contensão, Kim com carisma.
O humor funciona para quebrar momentos demasiadamente densos e mantém o público engajado.
A backstory de Jinn/Iblis é bem construída e adiciona tensão à narrativa: não se trata apenas de realização de desejos, mas de uma vingança contra o “Deus” que preferiu humanos aos gênios.
O ambiente de fantasia-romance-drama está bem calibrado — não tão deslocado quanto uma fantasia pura, nem tão trivial quanto um romance convencional.
Onde a série perde um pouco o fôlego
A fórmula que lembra Goblin (na ligação entre um ser imortal e uma humana) aparece, e isso pode gerar sensação de déjà‐vu para quem já viu esse tipo de narrativa. O romance entre os protagonistas, embora seja o centro esperável, é tratado de modo recatado e com menos intensidade emocional do que alguns espectadores poderiam desejar. Isso pode frustrar quem procura aquela “entrega romântica” plena.
Em alguns momentos, a construção de Ka Young – enquanto personagem que renunciou ao desejo – poderia gerar maior empatia se o roteiro explorasse mais suas feridas internas ou hesitações. Há uma contenção deliberada que pode gerar certa frieza para o público.
A aposta no humor, embora funcional, às vezes suaviza demais as tensões maiores: em uma narrativa que poderia explorar mais profundamente o ressentimento, o conflito moral entre gênio e humano, ou o impacto no entorno da protagonista (familiares, abandono), a série se contém.
Qual público vai gostar — e qual pode se frustrar
Para fãs de k-dramas que aprecem uma mescla de fantasia e romance com um toque de humor, Gênio dos Desejos será uma boa pedida. Quem deseja algo menos maniqueísta, com personagens complexos, encontrando seus desejos e renúncias, provavelmente sairá satisfeito.
Por outro lado, quem busca um romance explosivo, com química incendiária entre protagonistas, ou uma fantasia de impacto visuais extremos, poderá achar que a série trabalha com suavidade demais. Também não é indicada para quem gosta de vilões caricatos e grandes confrontos o antagonismo aqui é mais psicológico, mais “por baixo da superfície”.
Gênio dos Desejos se apresenta como uma produção que equilibra fantasia, romance e drama com leveza e alguma originalidade. A proposta de dois opostos (o gênio preso por séculos e a mulher que não deseja mais) é fértil, e o roteiro de Kim Eun-seok demonstra habilidade para conduzir a narrativa sem excessos. As atuações de Bae Suzy e Kim Woo-bin são, em geral, bem-sucedidas ao darem vida a esses seres tão distintos.
Entretanto, ao optar por uma contenção emocional e por um apelo romântico moderado, a série corre o risco de parecer morna para quem esperava intensidade. A semelhança estrutural com Goblin é inegável e talvez gere expectativas que o dorama não pretende satisfazer por completo. Ainda assim, a produção merece atenção por trazer um enredo que mesmo dentro de fórmulas conhecidas — encontra formas de questionar o desejo humano, o tempo, a renúncia e o encontro entre mundos diferentes.
Em última instância, não se trata apenas de “uma história de amor entre dois que se opõem”, mas de um embate contra si mesmos – ela contra seus desejos renunciados, ele contra sua função ancestral. Esse tipo de tensão filosófica, raro em muitos romances mais leves, confere a Gênio dos Desejos um valor além do entretenimento superficial. Assim, se você procura um k-drama de fantasia para maratonar, com boas doses de reflexão e sem esperar emoções extremas o tempo todo, vale acolher essa proposta.
Se, porém, o que você deseja é impacto emocional intenso ou romance “à flor da pele”, cabe ajustar as expectativas.


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